quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Teatro que não conhece limites

Cia Mão em Cena já tem três anos de estrada

Foto: Arthur Mota
Muito já se falou sobre o impacto que a arte pode ter sobre a vida das pessoas. Porém, como se dá essa transformação quando uma das partes desse processo é especial? É um deficiente físico, ou mental? A arte em geral - e aqui destacamos as cênicas - muito antes de cumprir sua função de abstração, ou entretenimento, tem um papel social. E é principalmente quando se é “diferente” que essa máxima ganha seu sentido maior.

“O teatro é uma forma de arte cuja especificidade a torna insubstituível como registro, difusão e reflexão do imaginário de um povo” (Manifesto Arte Contra a Barbárie, 1999). O Manifesto, produzido por integrantes de várias companhias de teatro distintas, expressa bem o quanto o teatro é importante para o processo de formação da identidade cultural de um povo, ou de um grupo específico. Direito que, quando se trata de minorias, muitas vezes acaba subjugado. A partir de hoje, até o final do mês, as quintas-feiras de agosto do caderno Programa terão um espaço reservado para falar do trabalho de grupos que descobriram que não existe limitação que se sobreponha ao talento, tão pouco obstáculo que atrapalhe a vontade de estar no palco. Em comum entre eles, o pensamento de que apesar de existirem deficiências, a arte não é um mero instrumento de terapia, e sim uma forma de expressão.

Para começar, apresentamos um pouco do trabalho feito pela Cia Teatral Mãos em Cena, formada por jovens surdos, alunos e ex-alunos do Centro Suvag de Pernambuco. O grupo apresenta o espetáculo “A pedra do Reino”, hoje, às 18h30h, na abertura do VII Festival Estudantil de Teatro e Dança no teatro Apolo.

O Centro Suvag de Pernambuco é uma instituição que já trabalha há mais de 30 anos com a educação especial bilíngue de jovens surdos. Em 2006, professores e alunos decidiram usar o espaço que tinham, destinados às aulas de teatro, para montar um grupo que trabalhasse o teatro sob a perspectiva de produção artística, e não apenas como arteterapia. Surgiu então a Cia Teatral Mãos em Cena. O primeiro espetáculo montado pelo foi “A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna, que o grupo apresenta hoje. A partir de então, a escola começou a perceber o teatro como ferramenta de socialização e expressão política na busca pelos direitos das pessoas com deficiência.

Porém, desde que começaram, um longo caminho precisou ser percorrido. A chegada do diretor Marco Bonachella foi desses momentos delicados. “Não sabia nada de libra (língua de sinais) e no início a comunicação era complicada. Aprendi a linguagem junto com os meninos, minha experiência com a mímica e o teatro me ajudou muito nesse processo”, lembrou Bonachella.

Montar um espetáculo diferenciado também foi um desafio. “Sabemos que a palavra falada é importante para o teatro, mas ela não é o único tipo de expressão artística. Exploramos outros recursos que atendem ao mesmo propósito. Não fazemos um espetáculo de surdos e para surdos, fazemos um espetáculo que atinge todos os públicos. Nossa intenção aqui é agregar”, destaca o diretor.

Mas mesmo com todos os obstáculos o grupo seguiu adiante. De um começo tímido, apenas com os alunos do centro, o grupo passou a receber também os ex-alunos, que hoje já atuam como monitores. Ao todo o grupo conta com um elenco de 33 jovens, com idades que variam entre oito e 20 anos. “Nossa intenção é ajudar esses jovens a se reconhecerem enquanto surdos. Pensar no processo de identidade cultural que esses meninos vão criar. Isso é o que é mais valioso para nós”, completou.

Entre alguns desses jovens está, Paulo Vitor de Lima, de 18 anos. Ex-aluno do Centro, e componente do grupo desde 2006, Paulo Victor se destaca em função da sua paixão pelo teatro. Com a ajuda de uma intérprete de libras, o jovem fez questão de frisar suas pretensões artísticas, que não são poucas”. O teatro me transformou. Sonho em fazer carreira, ser chamado para me apresentar em escolas, fazer novela e até cinema”.
Agora, a Companhia já trabalha na produção do segundo espetáculo do grupo “Andar Sem Parar de Transformar”, que conseguiu incentivo financeiro do Funcultura. “Queremos fazer com que o ‘Mãos em Cena’ tenha uma produção regular. Para isso precisamos conseguir participar de mais editais voltados para cultura. Esbarramos na falsa ideia de que fazemos um projeto social, mas na verdade nossa produção é cultural.

* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 13/08/2009

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