quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Morre um mito do passo

Um dos maiores nomes do frevo pernambucano, Nascimento do Passo será sepultado hoje, às 11h, no cemitério de Santo Amaro
Sombrinha de frevo na mão, e muito, muito passo no pé. Tanto que o talento deixou de ser ofício e passou a ser sobrenome. Nascimento do Passo. Assim passou a ser conhecido Francisco do Nascimento Filho, jovem amazonense de Benjamim Constant, que chegou ao Recife ainda jovem, e fez do frevo a sua vida. Aos 72 anos, o passista faleceu na madrugada de ontem vítima de um câncer no estômago. Nem de longe lembrava mais o bailarino forte e cheio de vitalidade que um dia foi. Estava deprimido. As acusações de abuso contra menores afastaram Nascimento dos palcos, das aulas, e de sua maior paixão: o frevo. Já não dançava. Mas o brilho e o legado deixado por esse mestre não se apagará com sua partida. Nascimento do Passo está para o frevo pernambucano assim como Ana Botafogo está para o balé do Municipal. São coisas indissociáveis e incontestáveis.

Ontem, durante todo o dia, amigos e parentes entravam e saiam do velório. Queriam dar o último adeus àquele a quem chamam de mestre. José Clemente Filho era um deles. Amigo próximo, conhecia Nascimento há 25 anos e aprendeu com ele a cultivar a paixão pelo passo. “Eu já era apaixonado pelo frevo, mas não sabia frevar. Aprendi toda minha técnica com ele. Hoje dou aulas na comunidade do Cardoso”, lembrou José Clemente. O amigo também fez questão de frisar a importância de Nascimento do Passo na divulgação do frevo no Brasil e no mundo. “O negão, meu negão, era internacional. O frevo agora fica mais pobre, em pouco tempo perdemos Salustiano, Eneas e agora Nascimento”, completou emocionado.

A lembrança do trabalho e da figura que foi Nascimento do Passo foi constante entre todos os presentes. Em seus depoimentos, foi unânime o fato de que as acusações contra ele pesaram sobre sua saúde. O afastamento da Escola Pernambucana de Frevo - projeto do qual foi o idealizador -, em 2003, foi um divisor de águas. Apesar de nunca comprovado, o fato teve muita repercussão e o impacto sobre a vida de Nascimento foi devastador.

Em 2002, ele esteve envolvido em denúncias de abuso sexual a adolescentes que tinham aula de frevo com ele, mas o passista se disse inocente, sempre. Ele respondia a quatro processos criminais, sendo que em um já havia recebido a sentença condenatória em fevereiro de 2006. Os outros três tramitavam na Vara de Crimes contra a Criança e Adolescente.De acordo com Gecilandy Lopes (Landinha, quarta mulher de Nascimento do Passo) uma nova audiência estava marcada para outubro.

Landinha, mesmo já separada do Nascimento, continuou cuidando do ex-marido. Acompanhou a evolução de seu quadro de saúde, que, nos últimos tempos piorou em função da dificuldade que ele estava tendo para se alimentar. Depois de ter enfrentado dois acidentes vascular cerebral (AVC), somente há cinco dias, quando foi internado no Hospital Getúlio Vargas, o tumor foi descoberto. “Ele não gostava de tomar medicação. Preferia tratamentos mais naturais, como chás e massagens” disse Landinha.

Nascimento do Passo aprendeu a técnica do frevo com outro mestre, Egídio Bezerra. Dançando, apresentou-se nos mais importantes palcos, e também nas ruas de vários cantos do País e do mundo. Ao longo de sua jornada ensinando o passo, uma geração de bailarinos e professores foi formada.

Agora, Nascimento do Passo se despede de toda uma vida dedicada ao frevo. Deixa seis filhos, a maioria envolvida com a dança. O homem que respirava e transpirava frevo cativou a todos com quem conviveu. Os versos da música que leva o nome de Nascimento do Passo, composta por outro mestre, Antônio Carlos, definem bem sua trajetória. “No frevedouro / Fiz um grande Rebuliço/ Preto, Branco e Mestiço/ Eu chamei pro Bafafá”.

* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 03/09/2009

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