sábado, 10 de outubro de 2009

O Gelo que transforma

Cia. Non Nova apresenta em “P.P.P” uma metáfora para a transformação

Philippe Ménard é, por si só, a representação absoluta do processo transitório constante presente na vida de qualquer ser humano. Não me refiro apenas ao fato de Philippe ter nascido com o sexo masculino, e ter se tornado mulher. Mas, sim, ao fato de, como artista, e como pessoa, estar sempre buscando uma perspectiva diferente para enxergar o mundo. Seu objetivo foi alcançado em “P.P.P.”, espetáculo que a Cia. francesa Non Nova - fundada por Ménard - apresenta hoje (10) e amanhã (11), às 21h, no teatro de Santa Isabel dentro da programação do Festival de Circo do Brasil. Usando o gelo como principal matéria-prima na composição do seu cenário, o elemento tem um papel que vai muito além de meramente cênico. O gelo é o fio condutor de uma história de mudança de estado, é parte da metamorfose apresentada pelo artista.

A abreviação que dá nome ao espetáculo vem do francês Position Parallèle ao Ploncher - Posição Paralela ao Chão, em uma referência a única posição comum a qualquer pessoa: a do leito de morte. “ A escolha do título lembra que todos acabam da mesma forma. Podemos ter medo, não aceitar, mas o fim é inevitável. O mais interessante é o caminho que percorremos até chegar a ele. O espetáculo fala sobre a utopia do ser humano que luta sempre contra a própria morte, mesmo sabendo que não vai vencer O gelo representa essa luta fictícia, sabemos que no final, inevitavelmente, ele vai derreter”, explica Ménard.

Mas a escolha de trabalhar com uma matéria perecível não foi proposital. “Até hoje não tenho certeza de que o gelo é ideal para essa construção”, brinca o artista. Na verdade, esse encontro se deu casualmente, enquanto Ménard fazia uma turnê pela África. Na ocasião, um dos teatros onde o artista se apresntou não possuía sistema de refrigeração, e uma opção oferecida foi colocar barras de gelo em frente aos ventiladores. “ A temperatura estava em torno de 48 graus, e é claro que o gelo derreteu rapidamente, a água invadiu o palco e arrastou pedaços de gelo que sobraram. A plateia acabou achando que aquilo fazia parte do número, e percebi que podia usar isto de alguma forma”.

É claro que a escolha foi um desafio. Durante o processo de concepção a artista se machucou bastante em função da dificuldade imposta pela temperatura e dureza do gelo. Mas ainda assim, as limitações físicas não foram maiores do que as psicológicas. “Tive que reprogramar minha mente. Fiquei conhecida pela minha técnica perfeita e quando comecei a trabalhar com o gelo toda a minha perfeição sumiu. Tive que aprender a deixar de lado minha virtuosidade e aceitar me expor de uma outra forma” lembra.

Apesar de “P.P.P.” parecer, a princípio, um espetáculo autobiográfico - já que Ménard expõe situações pessoais como aceitação do corpo e suicídio - a artista destaca que a montagem fala de todas as pessoas que viveram uma experiência de mudança profunda. “ Escrevi o espetáculo para que o público possa viver algo diferente, porque acredito que o teatro é o espaço para isso. A intenção é fazer como que o espectador termine o espetáculo se sentindo diferente. Algumas pessoas vão ver apenas um número com gelo, outras vão se emocionar, outras vão voltar a infância. Não tento explicar nada. O mais importante é deixá-los livres”.

A Fantástica Fábrica de Gelo

Montar toda a estrutura que compõe o cenário de “P.P.P” não é tarefa fácil. Ao todo são 350 bolas de gelo de diversos tamanhos, além de congeladores, blocos de gelo e até mesmo um tapete branco, fabricado com raspas de gelo, estão em cena junto com Philippe Ménard. Toda essa megaprodução só é possível graças a uma equipe de cinco franceses, liderada pelo artista plástico Rodoph Thibaud, que assina a cenografia do espetáculo.

Thibaud explica que todo o processo é bastante complicado, e exige muito tempo e organização. Temperatura, clima, altitude, e até mesmo a pureza da água da cidade onde se apresentam, interfere no resultado. “Temos que fazer testes antes de começar a produção, porque tudo influencia no resultado do nosso trabalho”, explica o artista plástico.

Para dar conta do recado, 10 freezers de 400 litros, cada, foram instalados nos bastidores do teatro, e durante cinco dias ininterruptos a equipe trabalhou para deixar tudo pronto para a estreia. Para que tudo dê certo, até a entrada do público no teatro precisa ser cronometrada. “Todas as pessoas precisam estar acomodadas em cinco minutos, do contrário, o cenário começa a derreter” diz Thibaud. Portanto, não atrasem.


* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 10/10/2009

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