segunda-feira, 12 de outubro de 2009

P.P.P (des)congelando mentes

Poucos artistas conseguem alcançar uma maturidade criativa a ponto de permitir-se viver uma situação limítrofe de controle - ou melhor dizendo da falta dele - sobre sua obra. É preciso ter segurança absoluta pra mostrar-se falho. Factível de erro. Algo que a grande maioria dos artistas tenta evitar, ou pelo menos esconder. Philippe Ménard não teme. Expõe-se visceralmente, ao longo dos quase 60 minutos de duração do espetáculo P.P.P (Cia. Non Nova), que apresentou no teatro de Santa Isabel no último final de semana, em duas apresentações com casa lotada.

Em sua batalha cênica contra um inimigo perecível, o gelo, Ménard vai aos poucos revelando ao público todas as suas “personas”. Para narrar a sua experiência pessoal, Philippe se expõe como artista, pondo em cheque a sua técnica precisa, arriscando-se em malabares com bolas de gelo. A exposição é ainda maior como ser humano, que enfrentou todos os conflitos e inquietações de não se reconhecer no próprio corpo (uma mulher no corpo de um homem), e encontrou na arte uma maneira de exorcizar seus fantasmas.

No palco, Menárd nos convida a mergulhar em seu universo complexo e conflituoso. Apartir daí, percebemos que todos nós também travamos nossas próprias batalhas. Usando uma iluminação sombria, e com a ajuda de sons repetitivos e difusos, presentes na trilha de “P.P.P”, o artista cria uma atmosfera hipnotizante. Num misto de perfeição plástica, que é bela e agoniante.

Curioso perceber que todos os seus personagens começam serenos e vão, aos poucos, tornando-se intensos e perturbados. Quase que como se não coubessem em si. Passando pela criança ingênua, a descoberta da sexualidade, a rejeição ao corpo e a descoberta da leveza feminina, Ménard constrói sua narrativa em cima da desconstrução, da condição perene de mudança. Até seu próprio cenário vai desfazendo, do teto, bolas de gelo caem e se despedaçam, numa menção a urgência do tempo.

Ao final, Ménard volta a condição que ele repeliu durante toda sua vida. Despe-se e revela-se homem. Deixando a plateia atônita. Entre opiniões divididas alguns aplaudiam, enquanto outros deixavam o teatro desconfortáveis. Confirmando que o objetivo do artista foi alcançado. Todos saíram dali diferentes, de certa forma.

* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 12/10/2009

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