Que Fernando Meirelles era um diretor capaz de fazer proezas num filme, isso todo mundo já sabia. Que a sua estética é diferenciada e que tem uma forma de filmar bastante característica, também. Mas o que ninguém sabia, era que Meirelles ainda tinha várias cartas na manga (ou melhor, dentro da cabeça). Ensaio sobre a cegueira, uma co-produção entre Brasil, Canadá e Japão, é a prova disso. No filme, o diretor solidifica o seu, já garantido, lugar entre os diretores brasileiros mais bem sucedidos no exterior.
"Cegueira" é um filme que já começou sua história dividindo opiniões. Após sua estréia de gala, na qual teve a imensa responsabilidade de abrir o Festival de Cannes (um dos mais importantes do mercado cinematográfico), o filme dividiu opiniões. Muitos jornais foram implacáveis chegando a chamar o filme de medíocre, como o argentino La Nación. Entretanto, críticos renomados como Peter Bradshaw, do britânico The Guardian, chegaram a dar ao filme quatro estrelas, classificação para poucos.
O fato é que para mim, Fernando Meirelles mais uma vez se superou. Já havia lido o livro homônimo de José Saramago (em que se baseia o filme), e estava deverás apreensiva com a responsabilidade que o diretor tinha nas mãos. Afinal, o livro de Saramago é um primor da literatura contemporânea, tanto que ganhou um nobel. É um prato cheio para aqueles que se deleitam ao dar asas à imaginação através da leitura. Traduzir esse universo imaginativo para as telas não era tarefa fácil. Principalmente ao optar por ser fiel a narrativa original.
Confesso que fui assistir ao filme meio ressabiada, principalmente depois de visto Cidade de Deus e o Jardineiro Fiel (também adaptações de livros), filmes que pra mim são perfeitos. Mas Meirelles não deixou nada a desejar! Construiu um filme sensorial! Sensorial, inclusive, é a melhor definição para Ensaio Sobre a Cegueira. A montagem do filme é impecável, com cortes rápidos, quase que desconfortáveis. A sensação de perturbação visual é constante, inclusive nas inserções de claridade total que antecedem os momentos de cegueira, tão bem descritas no livro como "um mar de leite". Esse era o meio maior receio: que o filme não me causasse o mesmo impacto e desconforto que o livro me causou. Fui surpreendida, cheguei ao fim da sessão com as pernas bambas.
Meirelles deu ao filme a sensação de caos e de fim dos tempos, onde não existem regras e o que prevalece é a violência e a irracionalidade. Ensaio Sobre a Cegueira traz no elenco Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga (sobrinha de Sonia Braga), Danny Glover e Gael Garcia Bernal, que, diga-se de passagem, conseguiu me despertar repulsa, feito inédito em se tratando da figura.
Apesar das críticas ferrenhas que recebeu, Ensaio Sobre a Cegueira conseguiu arrebatar os cinéfilos de plantão. E, conseguiu ainda, o mais irrefutável dos elogios, o de José Saramago.