segunda-feira, 24 de maio de 2010

O êxtase e a dor de uma loba cinquentona


“Há um limite muito tênue entre a dor e o prazer”. A frase que Júlia Ferraz, personagem de Cristiane Torloni em “A Loba de Ray-Ban”, diz para sua amante Fernanda (Maria Maya) poderia servir como sinopse do espetáculo apresentado no último sábado, no teatro da UFPE. O texto de, Renato Borghi é uma verdadeira expedição aos limites das relações humanas, e às nuances do prazer do fazer artístico.

A montagem, que teve sua primeira versão em 1987, protagonizado por Raul Cortez. Agora ganha sua versão feminista, em uma adaptação de texto como poucas, e ainda sob a direção de José Possi Neto (diretor da primeira versão). Curioso que essa combinação seja tão afinada, que nem de longe fica a impressão de que algum dia aquela personagem já tenha sido Lobo, e não Loba.

Na pele de uma mulher cinquentona em crise, Torloni é irretocável. Do início ao fim do espetáculo, não deixa o palco um único minuto, e tem presença hipnotizante. Sofrendo com a perda dupla do seu marido, Paulo Prado (Leonardo Franco), e da jovem amante Fernanda Porto, Júlia, uma atriz reconhecida e dona de sua própria companhia de teatro, sofre um colapso em cima do palco, enquanto os três interpretam “Medéia”.

E é o recurso de entrecortar realidade e ficção, usado com maestria por Possi, que dá o tom. Enquanto revela os meandros dessa delicada relação a três, Possi vai dando ao espectador o deleite de conhecer o que está atrás das cortinas. Todas as referências à construção desse “fazer artístico” estão presentes, desde elementos cenográficos - em que se vê canhões de luz, cortinas e camarins - até mesmo nas falas de Júlia, Paulo e Fernanda.

É verdade que a nova versão atenuou a tensão sexual que existia entre as personagens, dando espaço para uma construção mais dramática em torno do dilema que é o envelhecimento para uma mulher. Mas talvez tenha sido justamente esse amadurecimento da personagem de Torloni que faz a Loba, continar interessante aos olhos do público, mesmo 23 anos depois.

Como aspecto negativo, o áudio muito baixo, atrapalhando a compreensão, e fazendo com que o público perdesse algumas falas, principalmente de Maria Maya, e da própria Torloni.


* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 24/05/2010

domingo, 23 de maio de 2010

Era Lobo, agora é Loba


Poucas semanas foram tão movimentadas nos palcos da cidade. Simultaneamente, acontecem as programações do Palco Giratório, da Semana Comemorativa dos 160 anos do teatro de Santa Isabel, e a pauta de alguns teatros, como o da UFPE, ainda segue normal. Amanhã e domingo, quem também entra no roteiro teatral do final de semana é a atriz Christiane Torloni, com o espetáculo “A Loba de Ray-Ban” - montagem que fez grande sucesso na década de 1980, com texto de Renato Borghi e direção de José Possi Neto.

Na verdade, a nova versão do espetáculo é um desdobramento da peça original. Torloni e Possi, parceiros desde a primeira montagem (Ela fazendo a mulher de Raul Cortez - “O Lobo de Ray-Ban”, e ele já na direção), resolveram criar a versão feminina daquele personagem que se tornou tão emblemático na história do teatro nacional. Daquele tempo, também trouxeram Leonardo Dantas, que na época vivia o jovem ator com quem Cortez se relacionava, hoje interpretando o marido de Torloni. Para mudar o gênero desse triângulo, Maria Maya é agora, a amante de Torloni.

“A peça evoluiu. Hoje, 22 anos depois, a Julia virou a Loba de Ray -Ban. Vivendo todos os desafios existenciais de uma mulher de 50 anos que se vê às voltas com duas separações”, explica Torloni, em entrevista por telefone. E é justamente em torno desse momento de ruptura e descontrole que a história de Julia se desenrola. Os três personagens, que são atores, confundem a plateia, ora encenando, ora vivendo os dilemas de suas vidas. Assim, revelando os meandros que acontecem por entre cochias e camarins. “O público tem esse olhar de BBB, de querer ver no buraco da fechadura o que acontece nos bastidores. Quando você tem um espetáculo que usa o artista como pano de fundo, isso fica ainda melhor. Além de que, a paixão e a traição sempre fazem subir a temperatura”, brincou a atriz.

Apesar do mote de um triângulo amoroso à primeira vista poder soar como um “clichê”, os nuances das personagens, o conflito, a bissexualidade e outros infinitos aspectos, transformam o texto de Borghi num clássico ao melhor estilo teatrão. “O triângulo é algo eterno. Ele vem desde a bíblia. Mas nessa história cada personagem é uma exceção. Eles podem usar várias máscaras no palco, mas têm a coragem maior de tirar as máscaras da vida”, destacou o diretor. Para em seguida completar: “Uma peça que fala de um tema tão universal, tem sempre uma nova forma de interpretação. A percepção muda. A leitura muda. Quem vê percebe que é totalmente diferente, mas sabe que o conteúdo ainda está ali”.

Serviço

“A Loba de Ray-Ban”

Teatro da UFPE - Av. dos Reitores

Amanhã (22), às 21h, e Domingo (23), às 20h

Ingressos: R$ 100 (platéia) e R$ 80 (balcão), estudantes pagam meia

Informações: 3207.5757

* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 21/05/2010

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cumplicidade de longa data

Nathalia Thimberg e Rosamaria Murtinho são rivais no espetáculo “Sopros de Vida”


Depois de receber a grande dama do teatro, Bibi Ferreira, o palco do Santa Isabel recebe hoje, e amanhã, mais duas grandes divas nacionais. Nathalia Thimberg e Rosamaria Murtinho protagonizam o espetáculo “Sopros de Vida” - texto do britânico David Hare, premiado com o roteiro de “As Horas” e “O Leitor”. A apresentação integra a programação da Semana Comemorativa dos 160 anos do Santa Isabel.

Durante a coletiva de imprensa, realizada na manhã de ontem, no próprio teatro, as atrizes falaram um pouco sobre a construção de suas personagens: duas complexas mulheres e divergentes em quase tudo, exceto no amor por um homem (o mesmo, vale salientar) e sobre a amizade de mais de 50 anos. “Isso vai à pré-história”, brincou Nathalia quando indagada sobre o início da parceria.

A amizade é de fato muito antiga. A primeira vez que as duas dividiram o palco foi em “Rua São Luiz, 27, 8° andar”, espetáculo dirigido por Abílio Pereira de Almeida, encenado em 1957. A montagem foi um sucesso e tinha no elenco nomes como Raul Cortez, Fernanda Montenegro e Mauro Mendonça. “Conheci o Mauro nessa peça. O Raul, quando me viu, disse logo: ‘o Mauro vai namorar essa menina’”, contou Rosamaria, referindo-se ao início do romance com Mauro Mendonça, com quem é casada até hoje.

Desde então, foram tantos trabalhos juntas que nem elas mesmo conseguem contabilizar. “Dizer quantos foram eu não sei, mas sei que o último foi ‘Letti e Lotte’ (do também inglês, Peter Shaffer)”, rememora Nathalia.

Agora, quase dez anos depois deste último encontro, as atrizes voltaram a dividir o palco, agora como rivais. Rosamaria é Frances, esposa de Martin, escritora, dona de casa e mãe. E Nathalia Timberg é Madeleine, amante de Martin, cuja vida foi repleta de grandes realizações. Depois de 25 anos partilhando o amor do mesmo homem as duas se encontram para um sutil, porém não menos forte, combate.

“É um desafio bastante instigante para nós como atrizes, dar vida a personagens com personalidades tão diferentes que se confrontam entre si”, destaca a atriz, ao revelar seus motivos para escolha da peça. A atriz também é responsável pela tradução do texto, junto com Naum Alves de Souza, que também assina a direção do espetáculo. “Naum é de uma grandeza enorme. Ele se põe a serviço do texto”, afirmou Nathalia, sendo interpelada por Rosamaria, que destacava as nuances dessa construção. “O que mais gosto é que esse texto não é óbvio, ele confronta a gente o tempo todo com um grande paradoxo”.

Essa, inclusive, é a primeira vez que David Hare é montado no Brasil. Na Inglaterra, as protagonistas do espetáculo foram vividas por duas grandes atrizes do teatro britânico: Maggie Smith e Judi Dench. Atrizes cujo próprio Hare criou suas personagens com a intenção de que elas às interpretassem.

Permeado pelas alfinetadas e ironias, já tão características do humor britânico, “Sopros de Vida” promete ser uma aula de teatro como poucas. Promovendo o encontro de duas elegantes senhoras e 25 anos de histórias não ditas. “Armamos um barraco, mas um barraco inglês!”, brincou Nathalia.

Serviço

“Sopros de Vida”

Teatro de Santa Isabel

Hoje, e amanhã, às 20h

Ingressos R$20 (inteira) e R$10 (meia-entrada)

Informações: 3207 6161


* A matéria foi publicada no caderno "Programa" da Folha de Pernambuco de 20/05/2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Bibi, magistral, encanta público no Santa Isabel

Há poucos dias de completar seu 88° aniversário, Bibi Ferreira emocionou os convidados da festa de outro importante aniversariante, o teatro de Santa Isabel. Celebrando os 160 anos daquele que é um dos 14 teatros-monumentos do País, a grande dama apresentou, na noite de ontem, o espetáculo “Bibi IV”, acompanhada dos músicos da Orquestra Sinfônica do Recife (OSR), que comemora seus 80 anos de existência.

Numa festa com tantas comemorações, até mesmo a plateia tem grande importância. Na primeira frisa do teatro, nomes à altura de Bibi. As amigas Nathalia Timberg e Rosa Maria Murtinho prestigiaram a apresentação acompanhadas da diretora do Santa Isabel, Simone Figueredo. No camarote ao lado, a grande dama do teatro pernambucano, Geninha da Rosa Borges, também estava presente, com o secretário de Cultura do Recife, Renato L.

Bibi adentrou ao palco com a serenidade que lhe é peculiar, agradeceu ao convite e apresentou seu maestro, Flávio Mendes, e os músicos de sua banda carioca, que acompanharam a OSR. Bastou soltar a voz na primeira canção, “Carinhoso”, de Pixinguinha, que o público pode confirmar que ela continua a mesma. Uma intérprete como poucas. “A nossa música popular é muito rica. Há 27 anos que não canto em português, vivo às custas de Madame Piaf. Hoje vou cantar canções que nunca cantei em público”, confessou a “cantriz” - como costuma-se chamá-la.

Um dos momentos mais impactantes da apresentação foi, sem dúvida, quando interpretou o 2° solilóquio de “Gota D’água”, composição de Chico Buarque. Os versos “eu sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca” caíram como a tradução imagética do que ainda é a presença de Bibi no palco. Seguindo o show, Bibi entoou alguns fados. Homenagendo o centenário de nascimento de Noel Rosa, Bibi incluiu alguns sucessos do grande letrista no repertório.

E, ao se perder um pouco no ritmo de “Conversa de Botequim”, sorriu dizendo que essa era a primeira vez que cantava aquela música em público. Encerrando a apresentação, não podiam faltar as canções de Edith Piaf. E, antes do bis de “La vie en rose”, fez uma singela homenagem à Cidade cantando “Recife, Cidade Lendária”, de Capiba.

* A matéria foi publicada no caderno "Geral" da Folha de Pernambuco de 19/05/2010

Santa Isabel: protesto na festa dos 160 anos

Cerimônia marcou início da programação da Semana Comemorativa

Era para ser uma data apenas de celebração e festa, mas desde a divulgação da programação da Semana Comemorativa dos 160 anos do Teatro de Santa Isabel, um ruído de comunicação tem colocado a organização do evento e a classe teatral pernambucana em lados opostos. Ontem, o embate ficou evidente, quando, enquanto acontecia a cerimônia de abertura no salão nobre, a frente do teatro era tomada por manifestantes que fizeram um grande apitaço.

Artistas, diretores e produtores teatrais se reuniram para protestar contra a ausência de uma produção local durante a Semana Comemorativa. Samuel Santos, um dos manifestantes, ressaltou a ausência de uma política cultural que alcance os problemas da classe.

O secretário de Cultura do Recife, Renato L, que estava representando o prefeito João da Costa na cerimônia de lançamento do selo personalizado e do carimbo comemorativo dos 160 anos do teatro, rebateu as críticas afirmando que as comemorações vão durar todo o ano, e que os pernambucanos não ficarão de fora. “A Semana não contemplou nenhuma produção local porque não encontramos nenhuma montagem inédita disponível. Mas ainda assim estamos representados pela Orquestra Sinfônica do Recife e pelo Sa Grama”, ressaltou. Sa Grama, inclusive, apresentou-se na abertura do evento.

O secretário ainda completou: “É lógico que, ao longo desse um ano de programação, a produção local estará presente. Essa ausência aconteceu por um problema concreto, reconhecido pelos próprios manifestantes”. Renato L disse que está aberto para conversar com os manifestantes, caso seja requisitado. Os artistas presentes encaminharam o manifesto elaborado à Secretaria de Cultura.

Palco
Pouco antes de tudo, a grande dama do teatro brasileiro, Bibi Ferreira, fazia os últimos acertos no ensaio para sua apresentação de logo mais à noite do espetáculo “Bibi IV”. Lembrando sua trajetória no palco do Santa Isabel, a artista fez questão de destacar suas apresentações ao lado no pai, Procópio Ferreira, e o seu envolvimento com o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). Com relação ao repertório do espetáculo, Bibi garantiu que será bastante eclético. “Tem coisas que nunca cantei antes e também (uma) bela homenagem ao centenário do nascimento de Noel Rosa. Além disso, o público de Recife pode esperar uma surpresa”, brincou.


* A matéria foi publicada no caderno "Geral" da Folha de Pernambuco de 18/05/2010